Revista Ampla - Ediçãom 30 - page 8

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R e v i s ta A m p l a
Confiança
Para Kolling, quando não
há confiança, o que deve ser uma
via de duas mãos, perde-se muito do
potencial terapêutico. "Confiança é
uma daquelas coisas que leva uma
vida para construir e um segundo para
destruir, o que faz com que ela seja
tão delicada", defende. Para ele,
a confiança entre o profissional de
saúde e seu cliente é a chave princi-
pal para que o complexo processo de
recuperação ou promoção da saúde
aconteça. "Os relacionamentos hu-
manos adoecem por falta de confian-
ça, as doenças são do tamanho dos
segredos que guardamos, as relações
verdadeiras e íntimas só são possíveis
se nos despojarmos de nossos medos
e passarmos a ser mais abertos, ho-
nestos e educados uns com os outros,
isso vale para todas as áreas das re-
lações humanas, sendo vital para a
medicina", diz Escada.
Como deve ser
Confiança não se faz
apenas acertando, conforme pensam
muitos médicos, mas também comu-
nicando suas dúvidas, incertezas e li-
mitações com as quais os profissionais
precisam lidar todos os dias. "Estudos
mostram que quando os médicos ex-
põem suas incertezas a respeito de
um diagnóstico, isso pode, inclusive,
aumentar a confiança de seus pacien-
tes neles. Parece haver um sentimen-
to de que, se meu médico expõe suas
dúvidas, posso confiar mais nas outras
condutas e posso estar certo de que
ele não será negligente sobre esses
aspectos em que não há uma certe-
za", analisa Kolling.
É fundamental ouvir com atenção
o que o paciente traz de história e de
queixas, valorizar o que e como está
sendo dito, ser honesto, explicar de
forma compreensível e na linguagem
adequada ao paciente a sua enfer-
midade e a sua situação de vida. "É
importante tentar montar uma parce-
ria com ele, seus familiares e amigos,
para abordagem de seus problemas,
estabelecendo acordos possíveis e
viáveis conforme a disponibilidade do
paciente mudar", avalia Escada. Para
ele, essas são algumas das formas
de transmitir confiança ao paciente.
Olhar nos olhos, usar a intuição, dar
bom dia, pedir licença, por favor, ser
educado e humano também são atitu-
des importantes.
Intimidade
Para Kolling, a intimida-
de é necessária na relação médico-
-paciente, mas uma intimidade clíni-
ca e terapêutica, não uma intimidade
fraterna ou de amizade. É necessário
que o paciente sinta-se à vontade
para expor até os seus segredos mais
inconfessáveis, ao mesmo tempo em
que o médico precisa de um profundo
conhecimento a respeito do mundo
interno do seu paciente para conse-
guir propor os caminhos mais adequa-
dos para a cura ou reabilitação. Isso
não quer dizer que eles precisem ser
melhores amigos, compartilharem
festas ou confraternizações. No en-
tanto, é preciso que estejam juntos
nos momentos de crise, com conhe-
cimento mútuo para lidarem com os
sofrimentos e lances mais dramáticos
da vida.
"Eu não faço questão de saber
para que time torce meu paciente,
embora goste disso, mas faço questão
de saber os desejos de um paciente
terminal a respeito das medidas de
suporte. Eu não faço questão de saber
se uma mãe prefere que seu filho siga
esta ou aquela profissão, mas quero
que ela possa me contar dos senti-
mentos de rejeição que eventualmen-
te sofra e de como isso faz com que
ela se sinta culpada e tenha reações
de compensação que podem ser dano-
sas para o processo de criação de uma
criança", detalha Kolling.
De acordo com Escada, é uma
questão de bom senso. "Podemos ser
íntimos sem sermos intrometidos,
basta usar o bom senso e a escolha
de momentos adequados para isso",
diz. Apesar disso, conforme relatam
os profissionais, o que ocorre é bem
diferente. A realidade atual é que os
atendimentos estão mais frios, mais
rápidos e mais superficiais "como
tudo no mundo de hoje, intimidade
requer coragem, tempo, dedicação
e paciência, características escassas
nas relações humanas", analisa Es-
cada.
Tecnologia X Anamnese
Durante os
últimos 50 anos, a maioria das espe-
cialidades médicas foi transferindo a
importância do relacionamento entre
o médico e seu paciente para equi-
pamentos, máquinas e outros profis-
sionais de saúde. "Pressões diversas
têm feito com que as consultas sejam
cada vez mais curtas e a continuidade
do atendimento quase nula, ou seja,
poucas pessoas têm hoje um médico
de referência para elas, no qual elas
confiam para abrir seus problemas
pessoais, sejam biológicos ou não. Isso
tudo tem resultado em um relaciona-
mento cada vez mais frio, burocrati-
zado e desconfiado entre médicos e
pacientes", avalia Kolling. Segundo
ele, algumas cidades pequenas ainda
não apresentam um nível de indus-
trialização do atendimento em saúde
muito grande e, com isso, conseguem
preservar um pouco melhor esse rela-
cionamento, mas a tendência é geral
e, se continuar nesse ritmo, não deve
poupar nem as menores cidades.
Escada também enfatiza que a
tecnologia mudou negativamente o
perfil dos atendimentos, apesar de
reconhecer que trouxe muitos be-
nefícios. "Hoje, temos a vantagem
da alta tecnologia, o conhecimento
bem mais ampliado sobre as doenças,
melhores recursos para o tratamen-
to, prevenção e controle de diversas
Capa
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Médico-paciente
"Os
relacionamentos
humanos
adoecem por falta
de confiança,
as doenças são
do tamanho
dos segredos
que guardamos,
as relações
verdadeiras e
íntimas só são
possíveis se nos
despojarmos de
nossos medos e
passarmos a ser
mais abertos..."
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