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O óbvio na saúde

Texto: Paulo do Bem - Médico, mestre em Medicina, pós-graduado em Gestão em Saúde
        19 de novembro, 2020
16 Outubro 2018

Não é incomum buscarmos novas soluções para problemas antigos. Há uma máxima que aprendi durante curso do IHI (Institute for Healthcare Improvement), que diz: "Todo sistema é perfeitamente desenhado para obter os resultados que obtém". Portanto, os sistemas de saúde brasileiros, tanto o público quanto o privado, nada mais do que cumprem essa obviedade.  E daí me vem uma reflexão: será que temos realmente que “inventar a roda” ou ela já está entre nós e apenas devemos usá-la e aperfeiçoá-la?

Ao revisitarmos a história da saúde no Brasil podemos nos deparar com determinado ponto em que adotamos o modelo flexeneriano, voltado para a especialização. Nada contra a especialização, mas em um modelo de saúde alicerçado em especialistas temos que conviver com uma fragmentação excessiva tanto da assistência quanto da visão que se tem do indivíduo. Consequentemente, não podemos reclamar do resultado que esse sistema nos entrega:  uma atenção com alto custo e não necessariamente com melhor saúde. 

Segundo Leonardo Da Vinci, a simplicidade é o último grau da sofisticação. Quando algo é simples e funcional, torna-se longevo.  Um grande exemplo disso está no modelo de rede de atenção à saúde elaborado por Sir Bertrand Dawson em 1920. Propõe uma organização de serviços distribuída em função das necessidades da comunidade sem perder o foco na eficiência. Esse modelo é baseado em percurso assistencial hierarquizado, no qual a atenção primária é a base, e o primeiro ponto de contato do indivíduo com o sistema se dá prioritariamente no seu domicílio ou bem próximo a ele.

As famosas Patient-Centered Medical Home, um dos pilares da reforma do sistema de saúde americano, nada mais são do que uma releitura disso. Chega a ser irônico que em 2016, quase 100 anos depois, ainda não temos isso funcionando adequadamente, não só na saúde pública, mas principalmente no sistema de saúde suplementar brasileiro.

Ultimamente tenho tido a oportunidade de conversar com executivos de empresas durante as negociações de um plano de saúde focado em atenção primária. Ao começar a explicar o conceito de atenção primária, logo pergunto se têm personal trainer e quase todos respondem que sim. A seguir questiono se contam com um consultor exclusivo para seus investimentos pessoais e a resposta normalmente é sim. Então, pergunto se têm um “médico personal”. Poucos respondem que sim.  Pergunto por que não?  Geralmente não obtenho uma resposta consistente. Às vezes, dizem que têm mais de um. Então pergunto: qual deles você segue caso as orientações sejam divergentes?

É surpreendente que poucos tenham um profissional para ajudá-lo a navegar em um sistema cada vez mais complexo e com potencial elevado de risco, principalmente quando exposto a serviços com má qualidade ou tratamentos desnecessários.  Qual o motivo disto? A resposta é óbvia: o sistema fragmentado que criamos gera alguns paradoxos.

Na assistência à saúde ainda é dado maior valor à quantidade e não à qualidade. O foco é no consumo e não na real necessidade. Na verdade, deveríamos deixar ser conduzidos dentro deste sistema labiríntico por profissionais competentes e soluções adequadas. Ao término das conversas, percebo que as pessoas estão dispostas a fazer esse trade off, principalmente se oferecermos uma atenção personalizada e segura. 

Quando converso com alguns médicos que viveram a medicina na qual o generalista era valorizado, identifico uma certa melancolia ao constatarem onde chegamos. Ao defender um novo modelo de atenção à saúde, busco resgatá-los para atuarem nesse “novo” serviço ou que sejam multiplicadores deste conceito, no qual o foco é a valorização das pessoas e o uso apropriado da tecnologia. 

Ter um médico resolutivo e uma equipe de saúde que o conheça e com a qual você gere um vínculo é algo óbvio e uma solução eficiente para incrementar a qualidade na saúde. A "roda" já existe. Só nos falta colocá-la em uso. 


Paulo do Bem - Médico, mestre em Medicina, pós-graduado em Gestão em Saúde.

Fonte: Health Map