Traço marcante dos tempos em que vivemos é a dimensão do mercado. Não está restrito à comunidade, seja local, seja nacional. Desde os anos 1980 a economia tomou proporções mundiais, na produção, principalmente no mercado e nas bolsas de valores. As consequências dessa nova ordem têm sido discutidas, avaliadas e criticadas de diferentes formas. Um estudioso caracteriza a globalização pela integração das economias, exacerbação da concorrência internacional, com fuga de capitais produtivos para regiões onde os custos do trabalho tornam-se menores e competitivos. (Kostas Vergopoulos, 2005).
Além disso, as estatísticas indicam uma crescente concentração de renda, com concentração de riqueza, crescimento da pobreza, especialmente na África, Ásia e América Latina, sendo resultado da mundialização da economia o desemprego estrutural. Neste sentido, uma das principais críticas da globalização refere-se ao mercado de trabalho, caracterizado pela competitividade e concorrência, especialmente pela flexibilização do mercado de trabalho. Aponta-se que uma das estratégias marcantes do capitalismo globalizado foi a de transferir os riscos e a insegurança econômica para o trabalhador.
Toda essa discussão mereceu atenção do economista inglês Guy Standing que tem se dedicado ao estudo das consequências do processo de globalização no processamento do trabalho. É de sua autoria o livro O Precariado: A Nova Classe Perigosa (Belo Horizonte, Autêntica Editora, 2013). Em sua obra, Guy Standing, além da caracterização do precariado, apresenta estatísticas do seu crescimento global e das consequências da sua expansão. Para o autor, o precariado consiste em pessoas que são desprovidas das formas de garantias relacionadas ao trabalho, quais sejam, (a) garantia de mercado de trabalho; (b) garantia de vínculo empregatício; (c) segurança no emprego; (d) segurança do trabalho; (e) garantia de reprodução de habilidade; (f) segurança de renda; e, (g) garantia de representação. (O precariado, p.27-28).
Na sequência, ele apresenta como e por que o precariado está crescendo, mostrando ser em razão da economia de mercado global que passou a ter por base a competitividade e o individualismo. Para Guy Standing, as mudanças decorrentes da globalização e a consequente flexibilização do trabalho foram fundamentais para o surgimento dessa classe em formação. Decorrem daí alterações nos tipos de trabalho à distância, no trabalho no lar, nas rendas, fundos e aposentadorias, também na profissionalização e no padrão do trabalho com a feminização do trabalho, da vida... Neste quadro, os migrantes tornaram-se grande parte do precariado mundial, com reflexos não somente nas disputas de trabalho, mas com consequências sociais e políticas.
Essa condição estabelecida pelo precariado confronta-se com o ‘movimento trabalhista’ que se desenvolveu com a Revolução Industrial, com os trabalhadores se organizando e procurando não somente melhores condições de trabalho, mas também condições de vida. Tal como o capitalismo moderno, o trabalhismo teve origem na Inglaterra e foi inspirado nas doutrinas socialistas inglesas, mas no seu desenvolvimento alimentou diversas formas de ideologias, tais como socialdemocracia, socialismo, comunismo e anarquismo.
No Brasil, o trabalhismo surge depois de 1930 como uma política do Estado Novo (1937-1945), sob a forte liderança de Getúlio Vargas. Antes, o movimento trabalhista era liderado pelos anarquistas que na Primeira República (1889-1930) organizaram sindicatos, fizeram greves, assim obtendo alguns ganhos salariais e em condições de trabalho.
Getúlio Vargas implantou, através do Estado, as condições do trabalhismo brasileiro, vindo daí a legislação trabalhista – a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) data de 1º de maio de 1943, o sindicalismo ‘pelego’ e política trabalhista. Os direitos e garantias de trabalho que os operários brasileiros passaram a ter veem desta matriz estado-novista e getulista.
Em 1945, com a redemocratização e a formação de partidos, o trabalhismo se estabelece no PTB. E mesmo após seu suicídio em 1954, Getúlio Vargas continua sendo o líder e expressão maior do trabalhismo brasileiro. Posteriormente, Ivete Vargas torna-se presidente e líder do PTB, mantendo-se mesmo com a disputa com Leonel Brizola que, sem alternativas, organiza o Partido Democrático Trabalhista (PDT).
No momento, está em cheque essa trajetória do trabalhismo brasileiro, não somente com a possível fusão do PTB com o DEM e pelas dissensões e enfraquecimento do movimento do trabalhador, mas principalmente pelo andamento do PL 4330/2004, que dispõe sobre o contrato de prestação de serviço a terceiros e as relações de trabalho dele decorrentes, de autoria do então parlamentar goiano Sandro Mabel.
A terceirização no Brasil não está regulada em lei, os profissionais apontam um vazio jurídico na questão, uma vez que todo o contrato de terceirização tem por base a Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho. Resultam daí ações na justiça sem o devido balizamento jurídico e o projeto de lei 4330, que está em debate faz mais de 10 anos, poderia ser a solução jurídica.
Sem dúvidas, o PL 4330/2004, abrindo a possibilidade de terceirização, criou áreas de confronto entre sindicalistas/trabalhadores verso setor empresarial. No debate, está evidente o discurso da globalização, com a adequação da legislação brasileira às normas do mercado internacional, podendo de fato aumentar o emprego e aumentar a competitividade da economia brasileira. Contudo, o risco da precarização do trabalho apresenta-se evidente.
Itami Campos é membro do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás, pró-reitor de Pós-Graduação, Pesquisa, Extensão da UniEvangélica e autor de “Ciência Política, introdução à Teoria do Estado” (itamicampos@gmail.com)
(O Popular 03/05/15)
Artigo – Globalização e trabalho
Artigo – Globalização e trabalho

