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8 -

Pensar Unimed

| Outubro de 2016

palestra de abertura

O ESTADO É UM

ESPELHO DA SOCIEDADE

FÓRUM

P

ara abordar o tema cen-

tral do evento, a ética

em tempos de crise, não

mediu as palavras e nem pou-

pou o tom realista. A dureza

do assunto, porém, não o im-

pediu de suavizar seu discur-

so, em alguns momentos, com

uma dose de bom humor:

“sou uma das raras pessoas

que têm se beneficiado com

a atual situação do País, pois

nunca fui tão requisitado para

dar palestras sobre ética”.

Segundo Karnal, o Bra-

sil vive uma crise moral sem

precedentes, e estamos de tal

modo envoltos por essa at-

mosfera, que temos dificul-

dades de perceber que existe

vida além da crise. “A cada

semana, quando a gente acha

que chegou ao fundo do poço,

nós vamos mais um andar

para baixo”, sentencia. Infe-

“Não existe governo corrupto

com uma população ética”.

Como um tiro a queima-roupa,

o historiador Leandro Karnal

desferiu considerações cruas

e honestas, para os mais de

mil espectadores atentos à

sua fala de abertura, no 9º

Fórum Instituto Unimed/RS.

lizmente, o que reforça a visão

fatalista da situação, o drama

da nação não parece perto de

terminar. Isso porque a falta

de ética está impregnada em

todas as esferas da socieda-

de. Somos um país em que a

formação cultural e histórica

dificulta a responsabilidade,

tudo tem uma justificativa.

Ele conta que o Brasil ocu-

pava a 96ª posição do ranking

mundial da corrupção, mas

que “estamos tentando me-

lhorar essa posição”, ironiza,

chamando a atenção para o

fato de que, após o escânda-

lo da Petrobrás, alcançamos a

76ª colocação (o 1º lugar é do

mais corrupto, vale lembrar).

O BEM E OMAL

(E O ESCONDIDO)

Karnal, professor gaúcho,

que atualmente dá aulas na

Unicamp/SP, explica que o ser

humano tem uma espécie de

termômetro interno e sabe o

que é certo e errado e que há

parâmetros universais, por as-

sim dizer. “As pessoas sabem

quando estão agindo mal”.

E isso, desde sempre. “Quem

era ladrão em 1850 continua

ladrão em 2016”.

Ainda assim, relativizamos

o que é correto e o que não é,

dependendo das circunstân-

cias. “Eu não roubo porque eu

sou honesto ou eu não roubo

porque eu não tenho oportu-

nidade?”, provoca, ao ques-

tionar se os “honestos” o são

porque são ou porque nunca

tiveram a chance de ser de-

sonestos. Nesse contexto, ele

esclarece que a ética é um

campo filosófico, onde os in-

divíduos têm de decidir pelos

seus valores. É “o que eu acho

certo

independentemente

de ter alguém olhando”. Já a

moral vem da lógica religiosa,

de acordo com a qual cum-

primos a lei de um deus que

observa, julga e pune. A moral

é regida pela autoridade do

“não matarás”.

VAIDADE, VAIDADE

Você sabe com quem está

falando? – símbolo máximo

da cultura da vaidade, a já ba-

tida e ainda insistentemente

repetida frase só deveria ser

permitida em casos de alto

grau de Alzheimer, cutuca

Karnal.

Para ele, um dos nossos

maiores pontos de deslize é

justamente a vaidade. “É o

primeiro pecado, fundador de

todos os outros erros”. A par-

tir do momento que o mundo

gira ao nosso redor, há espa-

ço para uma confusão entre

o público e o privado. Aí têm

origem situações como usar

o bem (o carro, o helicópte-

ro, o dinheiro) público para

fins pessoais. É, em parte, a

herança escravocrata do “mi-

nha posição me permite que

eu use o que bem entender

para meus interesses”. Nesse

ponto, caem, ou se enfraque-

Por Ursula Schilling