
Em Goiás, foram numerosos os médicos que governaram o Estado. Na Velha República: Brasil Caiado e Humberto Martins Ribeiro, este vice-presidente em exercício.
Entre 1930 e 1945, Pedro Ludovico Teixeira – o Dr. Pedro - domina sozinho a cena, como interventor federal e governador constitucional. Na vigência da constituição democrática de 1945, ressalta a personalidade de Hosanah Guimarães, vice-governador em exercício. Nos anos posteriores ao regime militar, Henrique Santillo e Alcides Rodrigues. Vale referir, ainda, os candidatos ao governo que não lograram eleger-se – médicos do porte de Altamiro de Moura Pacheco e José Peixoto da Silveira. Isso sem falar nos “doutores” que foram prefeitos e parlamentares, eleitos pelo voto popular para diversos níveis do Poder Legislativo.
Há histórias incríveis a respeito desses cidadãos, alguns dos quais exerceram a medicina e a política em condições inimagináveis nos dias de hoje. Figura das mais simpáticas foi o dr. Brasil Di Ramos Caiado (1893 – 1958), nascido na Cidade de Goiás e formado na Escola Paulista de Medicina, onde também se doutorou, defendendo tese que mereceu a nota máxima da banca examinadora.
Recém formado, montou consultório em Santa Rita do Paranaíba e em Buriti Alegre. Mudando-se para a antiga capital, iniciou carreira política como Secretário de Obras Públicas; sem deixar a profissão, elegeu-se duas vezes deputado federal, presidente (como então se dizia) do Estado e senador federal. Anos depois, era prefeito da Cidade de Goiás e levava um paciente, em estado grave, para ser operado em Goiânia, quando o jipe em que viajavam foi abalroado por uma carreta; ambos tiveram morte instantânea.
Uma passagem de sua biografia retrata a personalidade do dr. Brasil - depoimento de Brasilete Caiado à autora -, bem como evoca a prática da medicina em tempos recuados. Logo após a vitória da Revolução de 1930, aguardando o desenrolar dos acontecimentos, ele homiziou-se em uma fazenda, com os irmãos Totó e Leão. Estes logo foram presos, mas Brasil escapou dos militares. Escondido, sempre que possível mandava prepostos à capital; um deles trouxe a notícia de que o filho caçula de Brasil se queimara gravemente.
Quando a noite ia alta, o preocupado pai montou a cavalo e dirigiu-se à cidade. Evitando passar por lugares frequentados, chegou ao fundo do quintal de sua residência, onde um guarda dormia, abraçado à arma. Com cuidado, empurrou o portão de serviço e entrou em casa; depois de medicar o filho, fez o percurso inverso e voltou pela rua silenciosa. O guarda continuava dormindo.
Tempos depois, serenados os ânimos na política, Brasil pôde clinicar novamente. Certo dia, um homem de aparência humilde pediu-lhe que fosse ver a velha mãe doente, em um sítio dos arredores. Seguiram ambos pela estradinha de terra até o rancho onde morava a paciente. Brasil deu-lhe remédios e esperou toda a noite, até que melhorasse. Era manhã quando chegaram de volta à casa do médico. O roceiro perguntou:
- Quanto lhe devo, doutor?
Condoído com a pobreza que vira, Brasil respondeu:
- Você não me deve nada. E acrescentou, com sua risada inconfundível: Quando puder, traga-me uma caça de presente.
Embaraçado, o homem coçou a cabeça e falou:
- Pois é, doutor. Nós sempre estamos devendo um pro outro.
- Como assim? estranhou o médico.
O camarada explicou:
- Faz muitos anos, o senhor salvou a vida de meu filho e não cobrou nada. Ele estava com crupe. O senhor num deve lembrar, mas eu nunca esqueci. Depois, no tempo da Revolução, o senhor alembra daquele soldado dorminhoco no portão, quando o senhor veio ver o seu menino que tava doente?
Meio sem graça, continuou:
- O soldado dorminhoco era eu, doutor.
E concluiu:
- Agora, o senhor foi bom demais com minha mãe e não quer cobrar. Eu fico lhe devendo mais esse favor.