Artigos e Notícias 

Voltar Atenção Integral à Saúde: o cuidado como eixo de remodelamento da atenção

Atenção Integral à Saúde: o cuidado como eixo de remodelamento da atenção

        19 de novembro, 2020
16 Outubro 2018

O atual modelo de saúde, hospitalocêntrico e medicocêntrico, a tempos que não vem se mostrando sustentável para o sistema de saúde. Atualmente fatores como remuneração baseado em produção (procedimentos atrelados à doença) e especialidades médicas sendo colocados como centro do cuidado, identifica o cuidado como algo dependente da doença em detrimento da promoção da saúde e prevenção de doenças. Baseado nesse cenário, o Ministério da Saúde via vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico – VIGITEL (2016), demonstra que 18,9% da população brasileira está obesa; 8,9% diabética; e 25,7% hipertensa, o que explica o fato das doenças crônicas não transmissíveis serem responsáveis por 58,5% da mortalidade (CAS, 2013).

Segundo o Ministério da Saúde, 80% das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) poderiam ser evitadas se fosse realizado o gerenciamento do cuidado prestado às pessoas portadoras e o controle dos fatores de risco. Para isso, pensa-se como solução a Atenção Primária à Saúde (APS), sendo reconhecida a sua importância para que haja melhor coordenação e organização dos serviços de saúde, objetivando as necessidades da população, configurando-se como protagonista para o sistema de saúde.

A Organização Mundial da Saúde (OMS, 1978) tem apoiado a APS desde a Declaração de Alma-Ata (OMS, 1978), onde foi definido que a mesma é essencial à saúde, quando baseada em metodologias e tecnologias cientificamente comprovadas, tendo potencial estratégico para ascender à equidade na saúde (MADUREIRA, 2015).

A APS é definida por um conjunto de ações de saúde, individual e/ou coletivo, que engloba promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação, a redução de danos e a manutenção da saúde, objetivando um novo modelo assistencial, a atenção integral à saúde, de forma a sensibilizar a situação de saúde e autonomia das pessoas, colocando o usuário como alvo principal do sistema de saúde (CAS,2013).

Para isso, se faz necessário quatro premissas: acesso, longitunalidade, integralidade e coordenação do cuidado.

A APS representa o primeiro nível de contato do usuário, juntamente com sua família, com o sistema de saúde, por tanto deve ser preferencialmente num lugar de fácil acesso, próximo a residência ou ao local de trabalho, resolutivo e está sempre disponível. Se essas características forem atendidas, o usuário irá se fidelizar ao serviço, o que possibilita vantagens, como por exemplo: diminuição das consultas com especialistas, redução das taxas de exames e internações, e consequentemente aumento da prevenção de doenças e promoção da saúde (MADUREIRA, 2015).

Devido a facilidade de acesso ao serviço existe uma maior proximidade entre o usuário e a equipe de saúde, e consequentemente um acompanhamento do usuário em diversos momentos de sua trajetória de saúde, criando-se vinculação entre o usuário e o sistema de saúde, algo imprescindível para a garantia da longitunalidade do cuidado. O que deve-se ficar atento é quanto a educação da população para que a mesma não condicione o uso do sistema de saúde com um “cheque em branco”, ou seja, que a mesma tenha consciência que deve buscar a assistência quando necessário, entendendo a importância do cuidado como um todo e não dependente de hiperexames, e saiba que a primeira porta de entrada ao serviço de saúde é a APS (CAS, 2013).

A integralidade está ligada ao cuidado holístico do ser, ou seja, o sistema de saúde deve estar preparado para atender o usuário de forma respeitosa, com qualidade, acolhimento, e principalmente integral, priorizando as atividades preventivas, porém garantindo acesso a todos os tipos de serviço por meio de encaminhamento, quando assim for necessário (MADUREIRA, 2015).

Coordenação do cuidado é a organização entre serviços e ações relacionados à atenção em saúde, implicando na capacidade de garantir a continuidade da atenção no interior da rede de serviços, que independente do local onde sejam prestados, estejam articulados para garantir uma assistência adequada ao paciente, tendo a informatização, por meio de prontuário eletrônico que permita acompanhamento longitudinal com possibilidade de referência e contra referência, a essência da coordenação. Desta forma haveria melhor adesão ao tratamento, menor taxa de encaminhamentos e hospitalização (MADUREIRA, 2015).

No Brasil esses conceitos ainda precisam ser consolidados para que concomitantemente seja maior o índice de satisfação dos usuários, algo primordial para que a APS se torne a base estrutural do sistema de saúde.

De acordo com os conceitos supracitados, a APS diferencia-se dentro do sistema de saúde por garantir qualidade dos serviços prestados, com foco na continuidade do cuidado e na equipe multidisciplinar.

Em sinergia com a APS, a medicina preventiva reafirma a necessidade do cuidado na promoção da saúde e prevenção de riscos e doenças. A convergência da APS com a medicina preventiva materializa o novo modelo de saúde denominado Atenção Integral a Saúde (AIS), o qual juntamente com evidências científicas, atreladas a práticas modernas de gestão e a tecnologia da informação garantem a eficiência na coordenação do cuidado (CAS, 2013).

A Atenção Primária está vinculada a atividades de prevenção e promoção a saúde, tendo que garantir dentro das suas premissas o gerenciamento das doenças crônicas não transmissíveis (GDCNT). Para tal, se faz necessário uma equipe multidisciplinar focada em realizar mapeamento de risco em saúde da população para identificar os usuários que apresentam fatores de riscos para o desenvolvimento dessas determinadas condições médicas (CAS, 2013).

De acordo com os pilares da APS, sabe-se que para garantir um efetivo gerenciamento, se faz necessário que o cuidado seja focado no usuário, de forma integral e não preocupado apenas com o tratamento/doença. Para isso é necessário que após o mapeamento de risco em saúde, a população identificada sob risco e portadora de DCNT sejam acompanhadas pela equipe multidisciplinar, avaliada constantemente e monitorada, por meio de telemonitoramento e de forma presencial, quando assim for necessário. Além disso, precisa-se manter a monitorização dos indicadores essenciais para o cuidado perfeito desses usuários, de forma a garantir uma assistência adequada e um direcionamento das atividades de educação em saúde, objetivando a qualidade de vida dessa população (CAS, 2013).

Não se pode esquecer que esse modelo de gerenciamento é necessário, mas torna-se paliativo quando pensado de maneira isolada, ou seja, precisa-se da APS como pilar de sustentação para um sistema de saúde efetivo, proporcionando estratégias para a comunidade e não apenas para indivíduos considerados de alto risco.

Geoffrey Rose (2000) acredita que as condições médicas apresentam-se alo longo de um continuum, ou seja, população com fatores de risco elevados não necessariamente se tornarão doentes, pois o adoecimento depende da continuidade da exposição ao risco. Rose explana que indivíduos expostos a baixo risco podem adoecer em maior escala do que os indivíduos expostos a um risco alto. Sendo assim, a população não está dividida entre doentes e não doentes/normais, o que sustenta a importância em realizar ações de promoção da saúde generalizadas, afim de atingir toda a população e não somente nos indivíduos com elevado risco em desenvolver determinadas doenças. Rose enfatiza também que além do continuum, existem as características populacionais que influenciam o comportamento individual. Ao contrário do que acreditamos, o grupo social o qual estamos expostos influencia, positivamente ou negativamente, nas nossas atitudes, ou seja, ainda que o usuário queira aderir ao tratamento ou ter hábitos mais saudáveis, precisa-se criar oportunidades coletivas que incentivem sua decisão.

De outro lado, pensando que a atenção primária vem sendo bastante propagada nacionalmente, surge a necessidade de investir na prevenção quaternária, pois baseado-se no conceito de detectar indivíduos com risco de tratamentos desnecessários para prevenir iatrogenias, de forma a garantir um cuidado baseado no princípio da medicina primum non nocere (primeiro não machucar), o que vai de encontro com a proposta da estratégia de saúde da família, onde é preconizada a utilização de exames, consultas e internações quando for extremamente necessário, o que proporciona o aumento da probabilidade da prevenção quaternária ser cumprida (TESSER, NORMAN, 2009).

Estudo realizado em 2002, informa que a terceira causa de morte nos Estados Unidos da América (EUA) foi devido a erros médicos, atrás apenas de doenças cardíacas e neoplasias malignas. Isso comprova a importância da prevenção quaternária, com a diminuição do excesso de medicalização, procedimentos, exames e internações.

Seguindo o cenário exposto, todo o sistema de saúde precisa ser desenhado para que o indivíduo seja empoderamento de informações a respeito da sua saúde/doença, de modo que o mesmo seja co-responsável pelo seu tratamento, tenha o autocuidado enraizado em sua rotina e a autonomia necessária para tomar decisões sob sua própria saúde, ou seja, que o indivíduo não fique refém dos profissionais de saúde e tenha conhecimento suficiente para questionar o cuidado recebido, o que proporciona também, que a segurança do paciente seja garantida.

Em síntese, no modelo atual temos um fluxo de assistência onde o indivíduo adoece, recebe o tratamento (muitas vezes excessivo), recebe alta e desaparece do sistema, voltando apenas quando adoecer novamente, o que nos mantém um cuidado agudo a esse individuo, produzindo uma descontinuidade do cuidado, e um resultado negativo no gerenciamento da população com condições crônicas. O que nos evidencia a necessidade do cumprimento das premissas da APS (acesso, longitunalidade, coordenação do cuidado e integralidade), e concomitantemente a necessidade de ações preventivas, populacional e individual, a fim de propiciar a população o gerenciamento dos riscos de forma preventiva, ou seja, evitando que o processo da doença se estabeleça e/ou evolua negativamente.