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Inovação em Auditoria Baseada em Evidência (ABE)

        24 de junho, 2022



Por Dr. Wanderley Marques Bernardo 

Não há como inserir a evidência científica na assistência à saúde dos pacientes, sem que se abandone primeiro os maus hábitos adquiridos ao longo do tempo pelas instituições responsáveis à prestação desse importante serviço.

A Prática Baseada em Evidência (PBE), ao contrário do que é impropriamente estimulado por muitos interessados em Medicina Baseada em Evidência (MBE), não é restrita ao consumo acrítico de recomendações de conduta médica publicadas, seja na forma de diretrizes, de avaliações de tecnologia, de protocolos clínicos, de rol de procedimentos, ou de auditagem.

O fato de insistirmos em modelos da produção e fiscalização de “receitas de bolo”, ditas baseadas em evidência, tem mais efeitos indesejáveis do que desejáveis, sobretudo aos pacientes que estão sob risco, e que serão os finais consumidores do “bolo”.

Esses efeitos se fazem sentir de modo irreversível em uma geração de atores que participam da assistência, direta ou indiretamente, como pacientes, médicos assistentes, profissionais e sistema de saúde, nos programas de MBE, e auditores. Sinteticamente, algumas consequências podem ser descritas:

• Pacientes sujeitos a uma prática inflexível, centrada em uma padronização fortemente influenciada pela política de recursos, e levados ao litígio e busca de seus direitos por meio da judicialização;
• Médicos reféns da dureza da “letra”, que não considera as experiências adquiridas fundamentais à PBE, produzindo eventuais atitudes adaptativas da prática centrada no recurso e nem sempre nas pessoas;
• Um sistema de saúde que orbita teimosamente em torno do alto custo, tolerando condutas já incorporadas de menor recurso, mesmo que essas últimas não produzam benefício ou até produzam dano; 
• Os programas de ensino ou desenvolvimento de MBE normalmente não abrem espaço à PBE, pois pelo desconhecimento, ceticismo ou até mesmo temor da amplitude e efeitos dessa prática, são tímidos em suas ações, flertando com MBE, mas nunca implementando programas do centro para a periferia que modifiquem os cenários de assistência.

No entanto, um dos últimos exemplos de ações que poderiam envolver a PBE na assistência aos pacientes em instituições de gestão em saúde é a auditoria, que pela sua importância permeia e se inter-relaciona com todos os demais atores, e que merece destaque, reflexão e resposta a algumas questões básicas:

• Qual é o propósito atual de um processo de auditoria em saúde? Gestão, sustentação econômica, zelo por boa prática ou ensino médico?
• Qual o efeito medido pelas ações em auditoria em saúde? Desfechos clínicos, economia de recursos, ou melhor performance do sistema?
• Como poderia ser a auditoria em saúde baseada em evidência? Obediente às recomendações, crítica da evidência ou de aprendizado?
• Qual o preparo que um auditor deveria ter em relação à ciência? Com habilidades de obtenção, crítica, análise e síntese ou de coleta de dados?
• “Receitas de bolo” podem orientar a auditoria centrada no paciente? Usando o recurso como forma de padronização e controle das condutas?
• Qual o impacto na qualidade da atenção após ações de auditoria? Condutas padronizadas pelo viés custo garantem qualidade sustentada?
• Quais os efeitos adversos da auditoria no estímulo à judicialização? A evidência é única, as opções não, e os pacientes sempre são atendidos?

Atos de inovação dependem da ruptura com modelos desnecessários e ultrapassados, e requerem coragem, planejamento e investimento de tempo e recurso, para que possam produzir mudanças sustentadas e significativas, e quanto maior o desafio, como na auditoria em saúde, maior as necessidades de:

• Recrutar profissionais com espaço em suas vidas para o aprendizado;
• Capacitar grupos de profissionais experientes e sensíveis à evidência;
• Sustentar processo de mudança de foco econômico para de qualidade;
• Estimular as recomendações baseadas na análise e coleta de dados;
• Medir resultados das ações de auditagem pelos resultados clínicos;
• Promover e viabilizar mudanças para melhorar a performance assistencial;
• Consolidar a PBE em todos os ambientes da governança institucional;
• Estabelecer cenário de “marketing” que desestimule a “contra evidência”;
• Adquirir a habilidade e profundidade de que MBE não é sinônimo de PBE;
• Enfrentar criticamente a legislação não sustentada pela evidência.

Uma regra em ciência é que: “se não se testa na prática a evidência, não se sabe se há ou qual é seu efeito”, e isso não é diferente para a implementação da PBE, seja na assistência à saúde dos pacientes, na gestão do sistema, ou particularmente na inovação de uma auditoria em saúde baseada em evidência. Não se necessita de mais evidência demonstrando que para os pacientes nenhum processo de cuidado que não seja baseado em evidência pode produzir benefício e/ou segurança. Pois ouve-se muito que MBE, e pior, a PBE, não são práticas, e sim teóricas, mas como podem saber se nunca as aplicaram ou testaram realmente no sistema?

E qual seria a inovação? Simplesmente acreditar, capacitar, experimentar e generalizar esses conceitos, dando chance à Prática Baseada em Evidência (PBE) e à Auditoria Baseada em Evidência (ABE) de serem conhecidas, mostrarem para que servem suas existências e quais seus impactos estimados na vida do paciente individual e das populações assistidas pelas instituições de saúde.