Revista Ampla - Ediçãom 30 - page 21

R e v i s ta A m p l a
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"Existem restrições distintas se compararmos
o sistema público com o suplementar, mas os
problemas são os mesmos, expectativas sem
fim e demandas que só crescem"
Marcos Bosi Ferraz, coordenador do Grupo Interdepartamental de
Economia da Saúde da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)
finitude dos recursos disponibilizados
para o sistema de saúde", analisa.
Sem limites
Ainda de acordo com
Ferraz, embasada pela Constituição
de 1988, também chamada de Consti-
tuição Cidadã, a população aprendeu
que não há limites para assistência à
saúde, mas o bolso da Nação ou do
sistema não tem condições de supor-
tar sozinhos todas essas despesas.
"Existem restrições distintas se com-
pararmos o sistema público com o su-
plementar, mas os problemas são os
mesmos, expectativas sem fim e de-
mandas que só crescem", avalia.
Entre as causas da dificuldade do
sistema em suportar todas as despe-
sas, está o envelhecimento da popu-
lação, o fato de o cidadão estar cada
vez mais consciente dos seus direitos,
além da exposição a novos fatores de
risco sem o desaparecimento dos an-
teriores. "A obesidade, por exemplo,
tem se tornado um grande problema
de saúde pública nos últimos 20 anos e
traz consigo doenças cardiovasculares
que só crescem em incidência e preva-
lência. É crescente também a taxa de
doenças oncológicas, tanto porque es-
tamos vivendo mais como pelos fatores
externos a que estamos nos submeten-
do. E isso tudo está acontecendo sem
que tenhamos nos livrado de doenças
infecto-parasitárias tais como a tuber-
culose, a dengue, a AIDS e a diarreia
infantil que, infelizmente, ainda mata
muitas crianças", analisa Ferraz.
Segundo avalia Medici, a sobrecar-
ga também ocorre por falta de uma
estratégia de gestão e uma política
que permitam associar o pagamento
pelos serviços à qualidade e aos re-
sultados assistenciais, mas que, ao
mesmo tempo, permita remunerar as
unidades de saúde (hospitais, centros
de saúde, etc.) de forma adequada.
Ainda de acordo com o especialista,
a saúde suplementar não está numa
situação tão complexa como a que
existe no SUS. "Porém, efetivamen-
te, o principal problema é que falta
introduzir melhorias no modelo de
atenção, com maior ênfase em ações
de promoção e prevenção, uma res-
posta mais rápida no atendimento,
por meio do uso de sistemas eletrô-
nicos de marcação de consulta, do
atendimento eletrônico e do autocui-
dado e da telemedicina", sugere.
Força tarefa
Ambos os profissionais
concordam que é necessária uma for-
ça-tarefa e a participação tanto do
Governo como do sistema, dos médi-
cos e da população para que se consi-
ga uma mudança efetiva. Para André
Medici, a contribuição dos médicos
passa por uma reorientação da forma
como trabalham nos serviços de saú-
de. "Do meu ponto de vista, deveriam
estar mais atentos a toda a cadeia do
cuidado, que passa por maior ênfase
aos temas de promoção e prevenção.
Quanto à qualidade, aconselho aper-
feiçoamento e realização de exames
periódicos de recertificação", orienta.
Já a população deveria estar in-
serida em um sistema no qual fosse
mais bem informada sobre sua saúde,
buscasse meios para realizar sua au-
toprevenção, evitando os fatores de
risco como obesidade, tabaco, álcool
e sedentarismo, e contribuindo para
cobrar do Governo condições de vida
adequadas nas cidades e melhores con-
dições de oferta da saúde - não somen-
te curativa, mas também preventiva.
Marcos Ferraz também defende
a participação ativa da sociedade na
busca por melhorias nas políticas de
saúde. A responsabilidade não é apenas
do sistema, mas também do indivíduo.
O sistema precisa ampliar os recursos
aplicados, mas a sociedade tem que
participar mais. O fumo, por exemplo,
é um direito, um livre arbítrio do ci-
dadão, mas, assim como foram criadas
barreiras para evitar que um fumante
contaminasse outras pessoas por fu-
mar em locais fechados como bares e
restaurantes, é possível também criar
outras medidas para desestimular a
exposição a riscos comprovados e ab-
solutamente desnecessários.
Médicos estrangeiros
Outra discus-
são que ganhou destaque na mídia ul-
timamente foi a contratação de médi-
cos estrangeiros para suprir a falta de
profissionais em algumas localidades.
Ambos os profissionais entendem que
essa medida populista não resolve o
problema, já que a questão não é a
escassez de profissionais e sim a má-
-distribuição. De acordo com pesquisa
do Conselho Federal de Medicina de
2013, o Brasil tem, em média, 1,7 mé-
dicos (ou dois, dependendo das fon-
tes estatísticas. A variação também é
grande por região) para cada 1.000 ha-
bitantes, o que é similar ao que existe
no Canadá (2,2) e no Japão (2,1).
Visão de futuro
Os desafios são
grandes e o debate acerca do assunto
é amplo. Apesar do cenário complica-
do, já é possível tomar algumas atitu-
des como exemplo, tendo sempre em
mente que o resultado virá em médio
e longo prazos. A sustentabilidade
no setor de saúde só será possível se
todos tiverem consciência de que pe-
quenas atitudes podem fazer toda a
diferença no futuro.
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